No dia 09 de maio, aconteceu o primeiro diálogo do projeto Gênero e Cultura Popular, que surge a partir do desejo das jongueiras Jociara Souza e Lucia Castro (SP) e da sambadeira Natureza França (BA) de registrar, perceber e construir ações que contribuam para o conhecimento e a empatia no que diz respeito às questões de gênero na cultura popular. O projeto consiste na produção de ciclos de diálogos com abordagem direta, empírica e embasada sobre questões de gênero que se expressam no celebrar da cultura.
A cada encontro, uma mediadora e duas convidadas participam da conversa e a transmissão é feita através do perfil do Instagram da mediadora. O respeito às tradições e à diversidade cultural são princípios temáticos para o equilíbrio desta jornada de conhecimentos que pretende trazer para a roda integrantes de grupos e representantes de manifestações culturais de todo o Brasil, sem lançar mão de transversalidades raciais, territoriais e socioeconômicas, necessárias em todo diálogo sobre cultura e gênero no Brasil.
Neste primeiro encontro, Natureza França, fundadora e sambadeira do grupo A Corda Samba de Roda de Salvador e também conselheira da Pontos Diversos, junto com suas companheiras e anfitriãs, Jociara Souza, jongueira do grupo de Jongo Filhos da Semente e Lucia Castro, jongueira da comunidade de Jongo Dito Ribeiro, lançou o projeto que se inicia em contexto de isolamento social e prevê continuidade pós pandemia com atividades à distância e presenciais, formativas e informativas, em parceria com a Pontos Diversos e a psicóloga Elizabeth Barbosa (SP).
O primeiro encontro já mostrou a potência do projeto, questionando a construção social de lugares do homem e da mulher, discorrendo sobre negação, silenciamento e representatividade, o sagrado e o movimento nas culturas populares. “Estamos aqui. Vivas”, afirmou Lucia. Essas mulheres, representantes da cultura popular, entendem a complexidade de discutir gênero no contexto da tradição, mas se perguntam até quando devemos deixar esses diálogos “fora da roda”, alimentando a invisibilidade? De fato, depois de tantas lutas e conquistas, conviver em silêncio diante de contradições históricas é no mínimo incômodo para quem acredita que o jongo, o samba de roda e outras manifestações culturais são histórias do dia-a-dia e não do passado. Participar e construir os movimentos populares é se firmar na ancestralidade e também acreditar no novo como elemento fundamental para a sobrevivência e continuidade das nossas tradições. Como cantam as jongueiras vamos “tomar banho na beiradinha”.
"Tomando banho na beiradinha, pisando devagar no massapê, balançando sem cair ou caindo sem levantar é que vamos construindo um mundo inclusivo diante da diversidade que ele oferece para nós. Afinal, somos diversidade e a cultura popular é lugar de construção, uma vez que é onde expressamos, não representamos, expressamos o que somos, as rodas, as ruas, nossas casas e comunidades são cenário para essas construções. Não é fácil, mas é preciso aceitar o desafio de escrever a própria história, sem apagar nenhuma outra. É preciso coragem, é preciso resistir, mas resistência sem conhecimento é como uma árvore sem raiz, vulnerável a fortes ventos e temporais", afirma Natureza.
A Pontos Diversos participa da construção deste projeto porque acredita na diversidade como engrenagem para um país e um mundo mais sustentável. Como afirma a intelectual Djamila Ribeiro, todo mundo tem seu lugar de fala, e, para conhecer melhor o projeto Gênero e Cultura Popular e o lugar de fala dessas mulheres da cultura popular, acompanhe os diálogos. E não se esqueça que o Instagram da Pontos Diversos é diversidade todos os dias. Siga e confira a programação no perfil: @pontos.diversos.
Mediadoras
Jociara Souza, mulher preta, mãe, natural de Barra do Piraí-RJ, filha do Mestre Jongueiro José Gomes de Morais (Tio Juca), nascida em solo Jongueiro cercada de mestres, aprendeu com o dia a dia. Jongo sempre fez parte do seu cotidiano, nunca foi pega pela mão para que lhe ensinassem. Cresceu nesse reduto, solo fértil de jongo, onde Jongar é tão natural quanto qualquer necessidade básica. Mudou-se para o interior de São Paulo - Indaiatuba e trouxe consigo essa herança passada de geração p/geração trazida por seu avô que nascera na senzala e vem sendo passado de pai pra filho e até hoje perpétua. Mantém um trabalho de resistência na cidade onde reside e vai onde o jongo a levar difundido essa Cultura que ajudou a construir a história desse país. Instagram @jo.jongueira.
Natureza França é mãe, mulher suburbana, natural de Cachoeira, Bahia, moradora da comunidade de Tubarão, Subúrbio Ferroviário de Salvador, território do grupo A Corda Samba de Roda, o qual fundou e está em roda com outras pessoas/fios através do fazer da cultura, arte, produções independentes e educação popular. Mantém relações de ensino aprendizagem, cuidado e respeito com mestras e grupos de samba de roda tradicionais, e com as juventudes que acompanham o grupo A Corda. Natureza é também capoeirista, angoleira da ACANNE, produtora cultural, graduada em Artes (UFBA) e mestranda em Dança (UFBA), gestora cultural do Quilombo Aldeia Tubarão, conselheira em Arte e Cultura da ONG Pontos Diversos, e educadora de aprendizagem profissional da AASMOS, além de atuar em projetos culturais diversos. Instagram @mae_natureza__
Lucia Castro é mulher negra lésbica, religiosa de matriz africana, é jongueira da Comunidade de Jongo Dito Ribeiro. Seu engajamento em defesa dos direitos humanos iniciou na juventude quando expulsa de casa, devido a sua orientação sexual, foi morar em uma ocupação urbana na região dos Dics em Campinas, e desde de então, dedica sua vida a luta por liberdade, justiça, igualdade, trabalho e moradia para a população negra e LGBT periférica. Foi a primeira mulher a entrar na roda de Jongo ocupando o lugar de ioiô, o que trouxe transformação sem mexer na tradição, e assim, abriu possibilidades para outros corpos se conectarem a manifestações da cultura popular tradicional sem abrir mão das suas identidades. É idealizadora do coletivo Aos Brados!!A vivência digna da sexualidade. Foi a primeira mulher lésbica conselheira titular do Orçamento Participativo para a Comunidade LGBT e atuou na criação do I Centro de Referência LGBT do Brasil, em Campinas, SP. É coordenadora do Coletivo de Mulheres Negras do Interior Paulista, compõe a Rede Sapatá (Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras para a promoção de Saúde e Controle Social de Políticas Públicas). É produtora cultural e educadora social. Instagram @luciacastroof